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Brian Rodrigues e Gabriela Cotta

A barragem que não rompeu e o sofrimento, silencioso e violento, de Antônio Pereira

Atualizado: 24 de set.

As evacuações forçadas devido aos riscos de rompimentos da Barragem do Doutor, da Vale, trouxe desafios emocionais sistêmicos e frequentes aos moradores de Antônio Pereira, que continuam  lutando  para reconstruir laços comunitários e encontrar identidades possíveis.


Desde abril de 2020, somente um ano e quase dois meses do novo crime da Vale, à época em Brumadinho no ano de 2019, o risco de rompimento da Barragem do Doutor, em Antônio Pereira, distrito de Ouro Preto, foi alterado para nível 2 de emergência. De acordo com a legislação federal de segurança de barragens, este nível indica que a situação pode comprometer a segurança da estrutura e está fora de controle. Um mês antes, em fevereiro de 2020, cerca de 75 famílias já haviam sido obrigadas a deixar suas casas, quando a barragem estava no nível 1 de emergência.


#ParaTodosVerem: A imagem mostra uma paisagem com céu nublado na parte superior e montanhas verdes ao fundo. Mais à frente, nas laterais esquerda e direita, há árvores com galhos secos e sem folhas, e um pouco de terra vermelha. Em primeiro plano, uma mulher está parada em frente a uma cerca branca. Ela veste um chapéu de aba larga bege, camisa azul e um casaco de frio vinho, que está fechado.
Legenda: Gislene Costa conhecida como Duda da Baia, moradora de Antonio pereira Foto:Acervo da Duda

O limite da in(justiça)

Gislene Costa Faria Alves, natural de Belo Horizonte (MG), mudou-se em 2004 para a Rua Projetada 10, no distrito de Antônio Pereira em Ouro Preto. Conhecida como 'Duda da Baia' entre os moradores de Antônio Pereira, devido ao apelido de seu marido, Edin da Baia, teve sua primeira filha em 2005 e seu segundo filho em 2016. Atualmente, seus filhos têm 19 e 8 anos. O casal sempre sonhou em viver ali, buscando a tranquilidade e a paz do local para criar seus filhos.


No entanto, esse sonho foi interrompido quando, mais de 19 anos depois, Gislene descobriu que sua casa estava em uma área de risco. Ela conta que foi informada por funcionários da Vale, que foram até Antônio Pereira realizar o cadastro das famílias. “Vieram aqui e fizeram um cadastro com as famílias que estavam na área de risco. Depois de dois a três meses, voltaram com esse cadastro, falando que as pessoas teriam que ser removidas, porque estavam na área da mancha [onde o rejeito alcança caso a barragem se rompa]. ”


Sobre as outras etapas da remoção, ela explica: "Quando as pessoas iam ser removidas, eles (equipe da Vale) marcavam com as famílias para ver casas, fosse em Mariana, em Ouro Preto ou aqui mesmo em Antônio Pereira. A Vale pagava o aluguel para essas pessoas."  No entanto, com a família de Duda a situação foi diferente. 


O marido de Gislene havia alugado um lote para construir uma baia para os cavalos, na mesma rua onde moram, a Projetada 10, mas logo depois disso foram informados de que o local estava em uma área de risco. Com isso, interromperam a construção e aguardavam uma solução para os animais. “A gente ficou esperando que eles removessem a baia para outro lugar, do mesmo jeito que fez com meus vizinhos”. Algum tempo depois, Gislene contou que retornaram e avisaram que o risco havia diminuído e não havia mais perigo. “Eles falaram que depois a mancha já tinha mudado, abaixado, e que a baia já não estava mais em área de risco e não corria mais perigo nenhum.” A mancha de risco é uma área mapeada que indica as zonas atingidas em caso de rompimento ou vazamento da barragem."


#ParaTodosVerem: Na parte superior da imagem, há um céu acinzentado e, ao fundo, montanhas verdes com árvores à frente. No solo de terra vermelha, está fincada uma placa da Vale, em tons de cinza claro e escuro, com os dizeres: "Propriedade particular. Área protegida e monitorada. Proibida a entrada de pessoas não autorizadas."
Placa da Vale em área onde foram demolidas casas em Antônio Pereira. O local, situado na área da mancha, agora classificado como propriedade particular e monitorado, está proibido para entrada de pessoas não autorizadas, representando o impacto da evacuação forçada sobre os moradores da região. / Foto: Brian Rodrigues

Duda nos conta que, assim como os avisos anteriores, sempre vagos, a demolição da sua baía e da casa aconteceu de forma abrupta, em agosto de 2022: "Um dia antes da demolição da casa e das baias, os agentes da Vale foram até a casa do dono do lote e avisaram que haveria uma remoção. Ele ligou para meu marido informando que iria ter uma remoção, ficamos esperando, mas, no dia seguinte, nos assustamos quando ouvimos gente gritando no nosso portão. Quando abrimos, já estavam lá a Defesa Civil, a polícia, pessoas da Vale e outras autoridades. Eles foram direto para a baia. O pessoal gritou, meu esposo e ele foi entender o que estava acontecendo, e eles apresentaram um documento dizendo que a juíza havia mandado a demolição da casa e da baía." A moradora ainda reforça o choque e resignação da comunidade com a situação:

“A juíza ‘mandô’, todo mundo aqui ficou assustado com tanto de polícia, aquele tanto de carro. Ficamos muito apreensivos. Não tinha nenhuma autoridade do nosso lado, então demoliram a casa e as baias, e levaram nossos cavalos"

Duda fala do momento de tensão que vivenciou com sua família ao serem tratados com truculência pelas autoridades. “Então eles vieram com os maquinários com muita polícia, Defesa Civil, guarda municipal, gritando com a gente, sabe? Tratando o meu marido como se fosse o pior traficante na frente do meu filho que hoje está com 8 anos, mas estava com seis na época. Então meu filho chorando, e eles tratando a gente com muita brutalidade, eles gritando com a gente com falta de respeito, porque era autoridade.”


"Meu filho perdeu a infância. A baia ficava aqui na rua, e ele cuidava e tratava dos cavalos. Hoje ele não tem mais isso, porque a Vale veio e tirou isso dele", diz, emocionada. "Eu me sinto incapaz, porque não consigo trazer de volta a alegria que ele tinha. A convivência com os cavalos, o cuidado que ele tinha com eles, era o tempo de diversão dele. Ele era feliz, mas hoje somos como formiguinhas lutando contra um elefante. A Vale tem dinheiro e pode comprar tudo."


Duda, também relatou que, até o momento, seus cavalos estão em um haras mantido pela Vale, em Barão de Cocais, cidade que fica a 60,4 km de Antonio Pereira, sem qualquer atualização sobre o que ocorre ou o que será feito. A decisão agora está nas mãos da Justiça, que determinará se a empresa será responsável por pagar um local para que os cavalos sejam levados de volta para ela. Ainda segundo ela, a Vale não comenta mais sobre o assunto.


Como se não bastasse, Duda revelou outro compromisso não cumprido pela mineradora  Vale. Inicialmente foi garantido o transporte, a cada 15 dias, para que seu filho pudesse visitar os animais. Mas esse serviço durou cerca de um mês e foi cortado sem qualquer explicação. Ela destacou o impacto que isso teve em seu filho, descrevendo a dor de ver a alegria dele desaparecer ao perder o contato com os animais:  "É muito triste. Fico emocionada ao falar desse assunto, porque é doloroso ver o brilho nos olhos do meu filho desaparecer."


Tentamos contato com a mineradora Vale e, até o momento da publicação desta matéria, não recebemos nenhuma resposta.


GALERIA DE FOTOS DO ACERVO PESSOAL DA DUDA 



Despejo forçado e sem prazos definidos

A situação em Antônio Pereira agravou-se em agosto de 2020, quando a Vale apresentou uma nova mancha de inundação ampliando a área de risco para o nível 2 de emergência e o número de famílias atingidas. Posteriormente, no início de 2021, as chuvas intensas que atingiram a região, especialmente nos meses de janeiro e fevereiro, aumentaram ainda mais o nível de insegurança entre a população, já impactada pela ameaça constante de rompimento. Conversamos com uma ex-funcionária da empresa Vale que afirmou que desde a primeira remoção foram cerca de 190 núcleos familiares e mais de 700 pessoas removidas à força.


A maioria desses moradores despejados à força de suas casas agora vive nas cidades sedes de Mariana e Ouro Preto, enfrentando grandes desafios de adaptação aos novos ambientes mais urbanizados. O rompimento dos laços comunitários e a dificuldade de reconstruir suas memórias intensificam o sofrimento dessas famílias, que lutam para restabelecer suas vidas longe do território onde construíram suas histórias. Esse processo de adaptação, porém, não envolve apenas a questão material, mas também uma reconstrução emocional e identitária.

“Como alguém pode mudar aquele espaço que eu sempre achei que era intocado, que era minha referência de memória quando eu tinha vontade de olhar, admirar e contemplar o belo?”
#ParaTodosVerem: Ao fundo da imagem, está a Barragem do Doutor, nas cores cinza e marrom, que ocupa mais de um terço de todo o plano de fundo da foto. Em primeiro plano, à direita, no canto inferior, há um muro azul onde está localizada a Escola Estadual Daura de Carvalho Neto, situada a 3 km da barragem. Ao lado e ocupando todo o terço inferior de boa parte da fotografia está um aglomerado extenso de casas. Na parte superior, ocupando quase a metade de toda a foto, uma massa cinzenta de céu, fruto da fumaça das queimadas na região..
Legenda: Ao fundo, parte da Barragem do Doutor, bem próxima a Antônio Pereira, distrito de Ouro Preto / Foto: Gabriela Cotta

Segundo um agente do CRAS de Antonio Pereira, que acompanha de perto essa realidade, "a reconstrução de memórias e a reconfiguração do espaço trazem conforto. Buscamos acolher, mas o grande desafio é para as famílias que vivenciaram essas histórias. Laços rompidos, como de quem morou em um lugar por 40 anos, representam uma parte importante da história, e a reconstrução de memórias pode ajudar a enfrentar essa perda."


#ParaTodosVerem: Na porção direita da imagem há um conjunto de muros sem acabamento e casas no reboco, ocupando a maior porção da fotografia, com as cores marrom e bege escuro.. Ao fundo, nesse mesmo alinhamento , é possível ver um caminhão vermelho estacionado. À direita, há uma placa nas cores azul e vermelha, com o desenho de uma pessoa correndo e uma seta apontada para o lado esquerdo, acompanhada da frase "Rota de Fuga". Quase no  centro da imagem, um cavalo marrom aparece de costas, como se estivesse pastando.
Rua abaixo da Escola Estadual Daura de Carvalho Neto que está situada a 3 km da barragem em Antônio Pereira, distrito de Ouro Preto / Foto: Gabriela Cotta

Luiz (nome fictício), morador de Antônio Pereira,  que compartilha sua dor e saudade ao falar sobre o que perdeu, se emociona ao lembrar como foi criado no local e como suas percepções mudaram. “É muito ruim você ser nascido e criado em um lugar e olhar para uma serra, onde você via verde, e agora ver um caminhão passando ali. Isso emociona a gente,” diz ele. E questiona como alguém pode transformar um espaço que sempre foi sua referência de memória e sua fonte de admiração. “Como alguém pode mudar aquele espaço que eu sempre achei que era intocado, que era minha referência de memória quando eu tinha vontade de olhar, admirar e contemplar o belo? Hoje eu não vejo mais esse belo. Isso impacta a vida.”


#ParaTodosVerem: Na parte superior, que ocupa quase toda a metade da imagem, é possível ver o céu e algumas montanhas, ambos com aspectos acinzentados devido à fumaça das queimadas da cidade. No centro da imagem, há duas máquinas mineradoras operando, em parte da terra em tom avermelhado. Na parte inferior, predominantemente da esquerda para a direita, há algumas árvores verdes.
Máquinas da mineradora Vale alteram paisagem em Antônio Pereira. A área faz parte das operações na Barragem do Doutor. / Foto: Brian Rodrigues
“Acho que, se a pessoa não tiver a cabeça no lugar, a depressão é certa"

As histórias dos moradores de Antônio Pereira revelam diferentes formas de lidar com as mudanças impostas pela ameaça constante do rompimento da barragem. Enquanto Luiz expressa profunda tristeza pela perda da paisagem e da memória afetiva, outra moradora que conversou com a reportagem, também em condição de anonimato, demonstra tranquilidade em relação ao risco. Ela não teme o desastre, focando em continuar sua vida e planejar o futuro de seu filho. É importante destacar que dos cinco entrevistados somente esta demonstrou alguma tranquilidade, vez que não está localizada em uma área mais crítica. 


"Eu não tenho medo de que a barragem possa se romper, acho que isso não vai acontecer. Quero colocar meu filho na creche no ano que vem, e estão dizendo que ela será perto da Escola Daura de Carvalho. Não vejo problema em colocá-lo lá.", diz a moradora.

No entanto, ela ressalta a dificuldade de quem sempre viveu na região em lidar com a mudança inesperada e forçada de um lugar de morada para um local de risco: "Para quem sempre viveu aqui, não é fácil mudar de vida. Passei minha vida toda com o pé no chão, na terra, no mato. Agora, viver em um lugar que não tem nem um cantinho para cuidar é muito difícil. Acho que, se a pessoa não tiver a cabeça no lugar, a depressão é certa."


#ParaTodosVerem: Na parte superior da imagem há um céu cinza, com aspecto enfumaçado. Na parte esquerda da imagem, há um ônibus escolar amarelo estacionado. À direita, o muro azul da Escola Daura de Carvalho ocupa boa parte da cena. No centro, no portão verde da escola, uma criança de camisa e calça azul está parada em cima de uma bicicleta. O chão é de asfalto e mais ao lado não há calçamento, sendo o passeio de terra vermelha, e na frente do muro, há uma placa de ponto de encontro para emergências, nas cores vermelho, branco e azul.
Ônibus escolar em frente à Escola Daura de Carvalho, localizada na área de risco do rompimento da Barragem do Doutor. Placa sinaliza “ponto de encontro” para emergências, evidenciando a presença do perigo. / Foto: Brian Rodrigues

A vida de quem foi retirado à força para um luto sem lugar

Ana Carla Cota, engenheira geóloga formada pela UFOP, iniciou em 2003 seu mestrado na UnB, em Brasília, com foco na área ambiental. Após concluir a pós-graduação, ingressou na Vale, em 2005, na Amazônia, onde atuou por sete anos como geóloga. Posteriormente, retornou à Mariana para estar mais próxima de sua família, mas, sem conseguir um emprego na cidade, assumiu, também na Vale, o cargo de gestora das Minas Paralisadas em Belo Horizonte. 


#ParaTodosVerem: Do lado esquerdo da imagem, em primeiro plano, há uma mulher de pele clara, cabelos cacheados e curtos, usando um vestido preto e um colar com contas grandes. Ela está ao lado do muro de  um hotel cujas paredes são nas cores azul, branco e cinza. À direita da imagem, em segundo plano e desfocada, está uma menina com roupa preta e cabelos longos e pretos, de frente para um menino também vestido de preto e com cabelos bem curtos.
Ana Carla Cota, o companheiro e os dois filhos sofreram deslocamento forçado da Vila Samarco, em Antônio Pereira, para o hotel Providência, em Mariana/MG

Sobre sua experiência na gestão das Minas Paralisadas, onde era responsável pelo monitoramento de barragens, ela explica: “O que são essas minas paralisadas? São minas onde a Vale já não opera, mas ainda há necessidade de monitorar as barragens. As barragens só podem deixar de ser monitoradas quando 'morrem'. E como elas 'morrem'? Elas rompem ou todo o material interno é removido, fazendo com que a barragem deixe de existir."


Ao ser questionada sobre o conhecimento dos trabalhadores da Vale a respeito dos riscos das barragens, Ana Carla confirmou: "Sim, os trabalhadores sabiam que algumas barragens enfrentavam problemas de estabilidade, mas, até o rompimento da Barragem de Fundão, não se acreditava que elas realmente poderiam romper."


Depois de algum tempo, Ana Carla decidiu deixar a Vale, pois o trabalho tomou muito de seu tempo e ela queria se dedicar à sua família. Ela relata ter comprado três casas na Vila Samarco ao longo do nascimento de seus filhos, buscando dar a eles uma infância comunitária e próxima da natureza: 


"Eu acreditava que a Vila Samarco era um paraíso para criar meus filhos, era uma vila que, para mim, beirava a perfeição. Sabe aquela vida em comunidade, com meus filhos conhecendo todos os vizinhos? Dava para ouvir o som dos passarinhos... Enfim, fazer compras no supermercado enquanto meus filhos andavam de bicicleta. Se eu precisasse de um ovo, minha filha dizia: 'Ah, mamãe, vou pegar de bicicleta!'"


#ParaTodosVerem: Cenário iluminado por uma grande janela branca à esquerda, destaca-se uma mulher de cabelos castanhos, usando um vestido preto e um colar com contas grandes, capturada em primeiro plano. Ao fundo, mais ao centro, aparece uma parte da parede branca e, à direita, em frente a uma porta branca aberta está uma menina também usando roupas pretas com o dedo indicador na boca, indicando silêncio.
Há quase três anos à espera de uma casa para morar, a família vive entre caixas empilhadas, mesinhas de trabalho improvisadas e muito pouco espaço / Foto: André Carvalho

Ana Carla nos conta que foi seu tio quem a apresentou à vila quando ela era criança: "Eu passei toda a minha infância na Vila Samarco e foi lá que aprendi a andar de bicicleta. Todos os meus finais de semana eu ia para lá, tinha clube, tinha parquinho, então era maravilhoso." 

Ana perdeu seu tio no ano passado, um homem que foi fortemente impactado pela remoção de amigos da Vila Samarco. Ele, aposentado da Samarco e dono de uma pequena loja na vila, enfrentou grande tristeza ao ver amigos próximos, com quem costumava caminhar diariamente, serem forçados a deixar o local. "Ele parou de fazer suas caminhadas e, com isso, surgiram problemas de saúde. Foi muita tristeza. A gente acredita que tudo isso acelerou o envelhecimento dele", conta Ana, ainda emocionada pela perda.


Resistência: a luta de Ana Carla contra a remoção durante a pandemia

Cerca de dois anos antes da primeira remoção, ocorrida em Antônio Pereira, o companheiro de Ana Carla foi aprovado em um concurso público em Brasília, e a família se mudou em 2018, deixando suas casas na Vila Samarco alugadas.


Durante a pandemia do coronavírus, em 2020, Ana Carla foi surpreendida com a remoção dos inquilinos da Vila Samarco, sem qualquer consulta prévia. Em meio à crise sanitária da Covid-19, ela recebeu a notícia pelo telefone: "Aí o meu inquilino me liga dizendo que vai sair de casa, acho que dia 30 de abril." No auge da pandemia, quando ainda não havia vacina, ela começou a negociar com a Vale, acreditando que, como ex-funcionária, teria um tratamento melhor. Mas acabou se sentindo frustrada: "Caí na água e fui cozinhada em banho-maria." Eles falaram que ela teria direito ao aluguel, mas não cumpriram com o prometido, o que gerou uma série de problemas para ela e sua família.


#ParaTodosVerem: No fundo, uma parede branca tem duas janelas azuis, uma à esquerda e outra à direita, com um quadro ao centro. Ao meio, um sofá vermelho. Em primeiro plano, à esquerda, uma mulher está sentada, vestindo uma máscara branca, blusa azul e calça preta. À direita, outra mulher, em pé, usa uma máscara, camisa azul e calça jeans.
Ana Carla, em fevereiro de 2022, já no hotel Providência, para onde foram deslocados em plena pandemia da COVID-19. / Foto: Acervo Pessoal da Ana Carla

Desesperada, Ana Carla decidiu sair de Brasília com seu companheiro, seus dois filhos e seus animais de estimação. Ao chegar em Mariana, enfrentou um verdadeiro "cenário de guerra", onde tudo era incerto. Depois de deixar os filhos sob os cuidados da mãe, ela se preparou para a batalha que viria. "Agora eu vou para a luta, mãe, não sei que dia eu vou te ver, porque eu posso me contaminar." 


A luta de Ana Carla com a Vale se intensificou quando ela decidiu resistir à remoção. Ela e mais duas famílias ficaram na Vila Samarco, localizada em uma Zona de Auto Salvamento, chamada de “ZAS”. No entanto, com as fortes chuvas de 2021 e preocupada com sua família, Ana preferiu sair de lá. Ela descreve a remoção como extremamente traumática: “Eu me lembro de fragmentos desse dia. Quando assinei os documentos, tudo já tinha sido embalado, e eu mal tive tempo de me despedir dos meus gatos. Foi um processo muito doloroso.”


#ParaTodosVerem: À direita, uma mulher em foco, de cabelos cacheados e castanhos, vestida de preto, aparece de costas, olhando para uma criança que está sentada com as pernas cruzadas em cima de uma cama. O ambiente é composto por uma parede branca, uma porta branca e uma janela azul. O quarto e a criança estão desfocados.


Ana Carla e sua família foram levados para um hotel, onde, após 10 meses, perceberam que todos estavam doentes. Sua filha mais nova tentou tirar a própria vida, seus filhos desenvolveram ansiedade, e ela teve uma hemorragia uterina, que sua psicóloga associou ao estresse emocional. Ana Carla também tentou tirar a própria vida, mas, com o apoio de sua psicóloga, iniciou um tratamento e voltou a lutar por seus direitos. "O que eu quero hoje é justiça. Luto por um novo modelo de mineração. Tudo o que vivemos hoje é para gerar lucros, e isso precisa mudar."


Ela conclui relatando o impacto da remoção nas crianças, adolescentes e adultos da comunidade, que desenvolveram doenças como ansiedade, crises de pânico e outras condições psicológicas. 


Assim como Ana Carla, Gislaine Costa e outras pessoas da comunidade continuam sua luta por justiça, acreditando que suas vozes podem pressionar por mudanças e pelo reconhecimento dos direitos dos atingidos.


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