Medos e incertezas cercam a rotina de comerciantes do centro da cidade, que enfrentam o desafio de proteger seus negócios das possíveis fortes chuvas.
Com a proximidade do período de chuvas intensas, os lojistas da área central de Itabirito já iniciaram os preparativos para minimizar os possíveis impactos das inundações, que nos últimos anos têm causado prejuízos significativos. A cidade, localizada na região central de Minas Gerais, tem um histórico recente de desastres associados ao aumento do volume de água do rio Itabirito, que corta o município em praticamente toda a sua extensão.
Um problema que se repete
Em 2022, foi registrada a maior enchente da história da cidade, que afetou dezenas de estabelecimentos comerciais e deixou rastros de prejuízos que impactaram a economia local. De acordo com a pesquisa de cadastramento e acompanhamento realizada pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico, mais de 700 comerciantes foram atingidos pelos estragos causados pela enchente.
Naquela ocasião, as fortes chuvas tiveram início no dia 8 de janeiro, mantendo-se com forte intensidade por três dias consecutivos. Alagamentos, deslizamentos de terra, vítimas soterradas e imóveis com risco de desabamento foram algumas das ocorrências naquela calamidade. Já no ano de 2023, embora os danos tenham sido menores, diversos comerciantes enfrentaram dificuldades para retomar suas atividades, e duas ocorrências de fortes chuvas foram novamente presenciadas.
Neste ano, mais precisamente no mês de janeiro, 82 mm de chuva em uma mesma noite causaram novos impasses, impedindo o tráfego de carros na avenida Queiroz Júnior, uma das principais da cidade. Apesar de todas as tratativas de preparação e melhorias visando uma melhor enfrentamento, medo e incerteza ainda seguem tirando noites de sono de diversos comerciantes.
Segundo o biólogo pós-graduado em Engenharia Sanitária e Ambiental João Marcos Santos, um dos principais motivos para a intensificação dos alagamentos é a questão da impermeabilização do solo. Segundo Santos, antigamente existiam mais áreas verdes e a bacia era menos ocupada, o que ajudava a evitar tantas enchentes, já que a água demorava mais para chegar a determinados pontos e a vazão era melhor distribuída. Hoje, com a impermeabilização do solo, isso mudou e a chuva não infiltra mais. “Com essa taxa de infiltração muito baixa, as águas vão se acumulando até chegar a um ponto onde se encontram, o que aumenta a vazão”, destaca.
Sob o olhar de quem viveu, e sobreviveu
Era 8 de janeiro de 2022 quando uma forte chuva começou. Em 10 de janeiro, quase 72 horas depois, o cenário de devastação que a cidade se encontrava impactava. Até aquele momento, a maior enchente registrada havia sido em 1997, no mesmo mês, e ficou conhecida entre a população como “A grande tragédia”.
Ana Carla Lopes, proprietária de uma loja localizada na rua Araújo Lima, relembra com emoção como viveu e superou este momento. O estabelecimento, inaugurado em setembro de 2021, foi completamente devastado e ficou fechado por três meses. Segundo Ana, a água chegou a 1,60m de altura e fez com que diversas mercadorias e móveis fossem perdidos.
“Hoje, continuamos aqui, no mesmo lugar. Ficou a experiência, a lição, porque sobrevivemos e nos reerguemos. Mas, ao fazer esse relato, descobrimos que não estamos preparados emocionalmente para uma outra tragédia como essa.”
O dia depois da tragédia
Todo esse contexto adverso mobilizou grande parte da população itabiritense, visando a reestruturação da cidade como um todo e uma melhor preparação para enfrentar futuras novas chuvas.
Os trabalhos de reestruturação por parte da prefeitura municipal começaram um dia depois do início das chuvas, em 9 de janeiro de 2022. Segundo a secretária de Desenvolvimento Econômico, Patricia Nonato, “foi um trabalho conjunto, que envolveu diversas pessoas e equipes sob um mesmo objetivo”.
A principal ação desenvolvida foi a aprovação da Lei 3638, que a partir de uma listagem e posterior análise, destinou R$10 mil para cada família afetada e R$20 mil para cada empresa. Todo esse processo foi guiado pelo Centro de Apoio Empresarial (CECAMP), que foi criado para centralizar o atendimento e o processo de concessão dos auxílios. Ao todo, 560 empresas regularizadas receberam o benefício do projeto “Unidos por Itabirito”, totalizando a disponibilização de mais de R$11 milhões em recursos próprios do município.
De acordo com Patrícia, foram mais de mil manifestações de interesse em receber o auxílio, porém nem todos os solicitantes obtiveram sucesso, por não estarem com a regularização de seus respectivos estabelecimentos em dia. Ela ainda menciona que a quantia foi estabelecida de maneira uniforme para todos, sem distinção do porte da empresa ou o quanto foi afetada, e os beneficiários tiveram que fazer uma prestação de contas junto ao município. “Ainda que a pessoa não tenha sido tão prejudicada, ela pôde usar esse dinheiro para melhorar a sua loja e de certa forma se preparar melhor para enfrentar novas enchentes”, destaca.
Apesar do apoio financeiro, nem todos os comerciantes puderam se reerguer totalmente. Saulo André, que era proprietário de um e-commerce, foi um desses casos. Ele chegou a receber o auxílio, no entanto, revela que o valor foi suficiente apenas para cobrir parte do prejuízo, especialmente em relação às mercadorias perdidas.
“O mais difícil foi ver o sonho da loja, que planejamos por tanto tempo, ser interrompido. Investimos muito no projeto, abrimos o CNPJ, montamos o modelo de negócios, estudamos o mercado e nos dedicamos para fazer tudo da melhor forma. Infelizmente, poucos meses depois da abertura, fomos surpreendidos com essa situação adversa.”
A mineração como fator agravante
A atividade mineradora, que impulsiona a economia da cidade, também é apontada como um dos principais fatores que agravam as inundações. O desmatamento para abrir novas minas, a movimentação de grandes volumes de terra e o assoreamento do rio Itabirito reduzem a capacidade de vazão do curso d’água e aumentam o risco de transbordamentos.
De acordo com o especialista em licenciamento e avaliação de impactos, indicadores de sustentabilidade e análises espaciais de políticas ambientais, Alberto Fonseca, apesar da óbvia correlação entre atividades mineradoras e problemas socioambientais, os políticos e o setor produtivo, de maneira geral, tendem a ser coniventes com a implantação e ampliação da mineração sem os devidos controles no território.
Isso acontece, segundo Fonseca, porque as prefeituras trabalham com pequenos orçamentos e ficam reféns dos impostos diretos e indiretos da mineração. O professor afirma que não há qualquer perspectiva de mudança desse cenário, dada a absoluta falta de política pública e vontade política para mudar a situação. "As cidades mineradoras estão, de fato, degradadas - e ficarão ainda piores nos próximos anos", alerta.
O medo e a preparação entre tantas incertezas
Embora não seja possível prever a intensidade exata das chuvas devido às incertezas causadas pelas recentes mudanças climáticas, a Defesa Civil municipal tem se preparado para o período chuvoso de 2024/2025. Em ações práticas, o órgão tem realizado campanhas com moradores ribeirinhos e comerciantes, oferecendo orientações e apresentando planos de contingência para minimizar os impactos das chuvas. “A nossa prioridade é informar a população e prepará-la para agir de forma segura”, afirma o coordenador geral da Defesa Civil, Felipe Delabrida.
Limpezas no rio Itabirito e construção de muros de contenção nas áreas mais vulneráveis aos deslizamentos foram algumas ações da prefeitura. Também foi implantado um sistema de monitoramento em tempo real para alertar a população sobre as condições do rio e evitar tragédias.
Para além dos esforços dos órgãos públicos, diversos comerciantes também desenvolveram suas próprias formas de enfrentamento às possíveis enchentes. Entre as principais medidas, a contratação de seguros que cubram desastres naturais em sua totalidade tem sido uma das principais. Marlon Menezes, gerente de uma loja no centro, menciona que essa foi uma das prioridades. O estabelecimento, que há oito meses se encontra em uma área próxima ao rio, ainda não enfrentou nenhuma forte chuva.
Por indicação da Defesa Civil, outra medida importante tem sido a diminuição da quantidade de itens armazenados nos estoques da loja, já que em caso de alagamentos, o tempo máximo de evacuação estipulado é de três horas. Maicon Gomes, dono de uma loja de roupas que fica à beira do rio, adotou a estratégia de sempre ficar de olho nas previsões de chuva. “Quando vejo que a situação está piorando e o rio está subindo, vou lá e, como precaução, pego as roupas e outros itens para evitar qualquer prejuízo”, menciona.
Em situações de insegurança, desloque-se para um local seguro e contate a Defesa Civil pelo número (31) 3561-7433.
Fique alerta às redes de comunicação oficial da Prefeitura, como Instagram e site oficial.
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