Mais um tesouro cultural de Ouro Preto
- Amaury José e Pablo Henrique
- 27 de fev.
- 5 min de leitura
Ícone do Carnaval ouro-pretano, o Bloco Zé Pereira dos Lacaios mantém sua tradição ao arrastar multidões pelas ruas e ladeiras da cidade.

O Bloco Zé Pereira dos Lacaios é, atualmente, a agremiação mais antiga do Brasil que ainda participa ativamente do Carnaval. Esse Bloco mantém viva a tradição da festividade em Ouro Preto, podendo ser considerado um tesouro cultural para a cidade. Dentre os elementos do bloco, apresentados durante os seus quase 160 anos de existência, destacam-se os bonecos de quase 3 metros de altura. Os principais são o Catitão, a Baiana e o Benedito, boneco que representa um lacaio. Um dos bonecos mais famosos e “xodó” do bloco, o Catitão, representa um homem português, que chegou a fazer parte de um carro alegórico quando a escola de samba Sinhá Olímpia ainda desfilava e teve o enredo falando sobre Ouro Preto e o carnaval.

O Club Zé Pereira dos Lacaios foi fundado em 1867 na cidade de Ouro Preto (MG), mantendo viva uma tradição trazida ao Brasil pelo português José Nogueira de Azevedo Paredes, em 1846. Inicialmente surgida no Rio de Janeiro, a festa começou quando José Nogueira saiu às ruas tocando um bumbo e atraindo moradores para se juntarem à folia. Transferido para Ouro Preto, o português trouxe a tradição para a cidade, criando um clube voltado aos funcionários do Palácio dos Governadores, conhecidos como “lacaios”. Excluídos das agremiações carnavalescas da elite, eles formaram a primeira associação popular de carnaval em Ouro Preto, criando uma tradição que permanece viva até os dias de hoje.
Desde o início, os foliões já festejavam o carnaval carregando bonecos gigantes sobre seus ombros e o desgaste das armações exigiam reparos constantes. Para garantir a manutenção e reparação dos bonecos, o bloco tem uma parceria com a Associação do Galpão Sinhá Olímpia. Segundo José Arthur, vice-presidente do bloco, qualquer reforma que precisa ser feita nos bonecos, “a gente fala com o pessoal do Sinhá Olímpia e eles sempre nos recebem de bom grado”.
Rogério Cézar, diretor de patrimônio do Galpão, afirma que a parceria objetiva manter o Zé Pereira vivo. Para ele, “o que a gente puder fazer, a gente faz. A gente cobra o mínimo, só material: tinta, o papel que a gente gasta”. Porém, mesmo com essa parceria, o bloco ainda necessita do apoio financeiro oferecido pela Prefeitura de Ouro Preto e de outras arrecadações para custear as despesas. “Sempre, no Carnaval, a Prefeitura passa um dinheiro para a gente dar manutenção. E ao longo do ano, fora do Carnaval, a gente tem algumas apresentações em Ouro Preto ou em outras cidades vizinhas. Com esses recursos e com esses eventos, a gente ganha dinheiro pra manter o Zé Pereira vivo até chegar o carnaval”, afirma o vice-presidente da agremiação.

Segundo Arthur Ramos, 28 anos, funcionário público e presidente do Zé Pereira, a versão adulta do bloco já está completa: “Esse ano já estamos fechados para o carnaval. Normalmente, quem é assíduo do Zé Pereira participa de muitos anos. Passando de pai para filho, cada um tem uma história específica na instituição. No carnaval, nós saímos entre 50 e 60 pessoas no adulto, e o mirim já está chegando nessa faixa. Ano passado nós saímos com quase 60 crianças”. Além do bloco adulto, existe também o Zé Pereira Mirim, composto por crianças que tocam instrumentos ou carregam bonecos. O vice-presidente da agremiação explica que, enquanto os bonecos do bloco adulto têm carregadores fixos, o bloco Mirim possui oito bonecos de isopor que precisam ser carregados por crianças voluntárias selecionadas a cada ano.
Para o Carnaval deste ano, a instituição deu um passo importante para o aprimoramento das condições dos instrumentos musicais utilizados pelo grupo mirim, adquirindo 33 taróis novos, menores e mais leves, exclusivamente adaptados para as crianças. Essa mudança reflete uma preocupação com a praticidade e a manutenção dos instrumentos, além de proporcionar mais conforto e segurança para as crianças. Embora os bumbos ainda não tenham sido reparados, a medida está sendo planejada para breve, consolidando a importância de oferecer condições ideais para todos os integrantes.
Além da aquisição de novos instrumentos, o bloco também renovou as vestimentas para as crianças. Atualmente, os pequenos tocam durante o dia, enquanto os adultos se apresentam à noite. Embora todos façam parte da mesma instituição, os organizadores decidiram criar uma programação exclusiva para o grupo mirim, permitindo que se sintam mais à vontade e evitando problemas que surgiram no passado, como o uso compartilhado de instrumentos. “Um exemplo disso era quando um bumbo, danificado durante o dia, não poderia ser utilizado pelos adultos à noite, o que gerava transtornos. Com as mudanças, tanto os instrumentos quanto as roupas foram adaptados às necessidades de cada grupo, garantindo uma experiência mais eficiente e agradável para a fluidez do Bloco”, explicou o presidente do Zé Pereira.
As informações e divulgação das inscrições para o Bloco são realizadas principalmente pelas redes sociais, uma vez que essa abordagem é mais prática e rápida. No entanto, nem todos conseguem garantir uma vaga, pois há um limite de inscrições e o Zé Pereira é altamente concorrido durante o Carnaval. Além disso, o Bloco prioriza aqueles que participam ativamente ao longo do ano, mantendo o vínculo com o grupo mesmo fora do período carnavalesco.
Os bonecos do Zé Pereira tem a tradição de serem bem pesados, e a Sinhá Olímpia não é diferente: “eu vi um menino de 15 anos carregando a Sinhá Olímpia [boneca] e fiquei com dó, porque ela é muito pesada, pesa mais de 40kg. Saímos da Casa de Gonzaga, perto da Igreja São Francisco de Assis e a levamos até a sede do Zé Pereira”, contou Marcelino Castro, 43, diretor do Jornal Diário de Ouro Preto. Marcelino se refere a Olympia Angélica de Almeida Cotta, que nasceu em 1889 no distrito de Santa Rita Durão em Mariana e faleceu em Ouro Preto em 1976. Mais conhecida como Sinhá Olímpia, foi uma hippie e notória habitante de Ouro Preto que percorria as ruas da cidade, com seu cajado e suas roupas coloridas, contando histórias em troca de dinheiro.
Com 158 anos, o Bloco Zé Pereira dos Lacaios continua a desempenhar um papel fundamental na preservação da cultura e do carnaval ouro-pretano. Com sua rica história, personagens icônicos e a participação ativa da comunidade, a agremiação reafirma sua importância como patrimônio da cidade. Ano após ano, o bloco mantém viva a essência da folia, encantando moradores e visitantes, e garantindo que essa tradição centenária siga forte para as futuras gerações. Uma prova disso é o que indica Rogério Cézar: “o bloco é diferente dos outros, pois, além de ser um dos mais famosos da cidade, o Zé Pereira arrasta multidões e famílias. Enquanto os blocos estudantis atraem jovens e alunos que estão nas repúblicas, o Zé Pereira agrega pessoas de toda Ouro Preto e de todas as idades.

Para Yara Fernanda, 24, estudante de Engenharia Civil, “o Zé Pereira é muito mais do que um bloco de rua, ele é a alma de Ouro Preto. É o som que ecoa no peito de quem nasceu aqui, o ritmo que nos faz sentir em casa. É como se cada batida dos tambores marcasse nossa história, misturando tradição, pertencimento e emoção. Ver as crianças correndo atrás, cantando em coro, sentindo a vibração dos surdos, é perceber que esse legado continua vivo, pulsando no coração da cidade”.
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