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Beatriz Costa, Francielle Paula e Letícia Scabbiolo

Mariana cria Comitê de Mudanças Climáticas em resposta aos desafios socioambientais

A nova estrutura visa coordenar ações para mitigar impactos das mudanças climáticas e implantar políticas de desenvolvimento sustentável no município.


#paratodosverem: telhado marrom escuro à frente da imagem com a luz do sol em sua maior porção. Em uma pequena parte deste mesmo telhado, dois pássaros, em contraluz, estão pousados e cobertos pela sombra de uma casa, ao fundo da imagem aparece um céu azul e poucas nuvens.
O aumento da temperatura, no inverno Marianense, coloca a cidade em alerta. | Foto: Bernardo Marotta

No dia 26 de agosto, a câmara dos vereadores de Mariana aprovou o projeto de lei que institui a criação do Comitê de Mudanças Climáticas (CMC) no município. De acordo com art. 8 do diário oficial, publicado em 27 de agosto, o comitê tem como objetivo: organizar, planejar e executar políticas e ações para combater as mudanças climáticas, reduzindo as emissões de gases poluentes e aumentando a capacidade do município de se adaptar e resistir a esses impactos. 


O CMC será presidido pelo secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Anderson de Aguilar. Além do presidente, será composto por representantes dos três principais setores da economia. O primeiro, será representado por instituições do governo local, como a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, além das áreas de Planejamento, Saúde, Educação, Obras e Infraestrutura, o Saae e universidades públicas. O segundo, totalizando duas categorias, contará com empresas das áreas de energia e transporte. Por fim, o terceiro, será composto pela OAB, ONGs, associações, sindicatos, federações e a sociedade civil.


#paratodosverem: em primeiro plano, lado esquerdo da imagem, dois estudantes com suas mochilas pretas caminham ao lado de um muro branco, no centro da cidade, todos cobertos pela luz do sol em uma calçada aparentemente cheia de outros pedestres do centro ao do lado direito da foto há uma extensa fila de carros, nas cores branca, preta e cinza.  Ao fundo, sobrados, igrejas e lojas. Na porção superior é possível ver um céu azul bem esbranquiçado.
Mudanças climáticas afetam o cotidiano e a vida da população. | Foto: Beatriz Costa

Em um panorama geral, é perceptível que dentre os três setores previstos há uma maioria pertencente ao público, e mais especificamente à administração pública local, áreas ligadas diretamente à prefeitura, num total de 11 cadeiras. Essa concentração pode limitar a diversidade de perspectivas e direcionar para interesses da prefeitura local a abordagem de pautas de interesse de toda a sociedade. Uma vez que, do segundo e terceiro setores serão dois e quatro membros, respectivamente, por categoria. A representação excessiva do primeiro grupo pode enfraquecer a participação ativa e o engajamento dos outros. 


Entramos em contato com a comunicação da Prefeitura para saber quando está previsto o início das atividades e o quantitativo exato dos membros de cada setor. A resposta que obtivemos, até a data da publicação desta matéria, é que no momento é necessário abrir edital para escolha dos representantes, e que as informações ainda não foram divulgadas. O que nos soou bastante estranho por se tratar de um comitê de caráter público, e portanto que deveria ser transparente e com informações precisas já expressas sobre sua formação.

As mudanças climáticas são uma preocupação crescente no Brasil, dada a diversidade de ecossistemas presentes no país e ao potencial impacto sobre a sociedade, sua biodiversidade e sua economia. Segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), o desmatamento e as mudanças no uso do solo são as principais fontes de emissões de gases de efeito estufa, colocando o Brasil entre os dez maiores emissores globais, conforme dados coletados no ano de 2022 pela World Resources Institute (WRIBrasil). 


Os principais sumidouros de carbono do país — oceanos, solos e florestas — desempenham um papel crucial na absorção e captura de CO₂ da atmosfera. A definição e caracterização desses sumidouros de carbono foram detalhadas pelo Instituto Água Sustentável. Quando as florestas são destruídas por incêndios ou desmatamentos, sua capacidade de absorção de carbono é reduzida, aumentando o efeito estufa e contribuindo para o aquecimento global. Além disso, as emissões de gases provenientes da agropecuária e da geração de energia têm aumentado ao longo dos anos, segundo o Ipam.


#paratodosverem: Em primeiro plano, é possível ver diversas casas do centro e a igreja da Sé, em Mariana. Ao fundo, na parte superior da imagem, vê-se um céu azul. Logo abaixo, nota-se uma vegetação com a serra de Mariana. No centro dessa área, é perceptível um foco de incêndio, evidenciado pela fumaça que sobe em direção ao céu.
Queimadas na cidade de Mariana impactam diretamente o clima, a sensação térmica e saúde das pessoas. | Foto: Isabela Jorge

A cidade de Belo Horizonte, por exemplo, implementou um órgão do gênero, o Comitê Municipal sobre Mudanças Climáticas e Ecoeficiência (CMMCE), no ano de 2006, há quase 18 anos. O objetivo do CMMCE em geral é apoiar a implementação das políticas municipais voltadas para as mudanças climáticas. Além disso, busca conectar políticas públicas com iniciativas privadas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, minimizar a produção de resíduos sólidos, incentivar o uso de fontes de energia renováveis e melhorar a eficiência energética. Sônia Knauer, secretária executiva do CMMCE de Belo Horizonte, nos conta que desde que o comitê foi criado, "ele tem participado muito ativamente de todos os planos, projetos e políticas que são relacionadas ao aquecimento global". 


Além dos contextos e desafios presentes em diversas regiões do país, Mariana, com suas intensas atividades minerárias, precisa enfrentar também a complexidade de sua dependência econômica quase que exclusiva desse setor. A mineração é uma fonte significativa de emissões, portanto, um fator crucial a ser considerado nas políticas climáticas municipais. Por isso, é importante que o Comitê de Mudanças Climáticas de Mariana se distinga pela eficácia de suas ações, evitando o risco de se tornar um simples "greenwashing", traduzido para o português: lavagem verde. Essa é uma estratégia de marketing utilizada por algumas empresas ou instituições, para promover atividades supostamente sustentáveis, mas que não acontecem na prática.


Em conversa com o Lampião, Julio Grillo, 72, ex-superintendente do IBAMA MG e militante na defesa ambiental por mais de 35 anos, enfatiza a importância dos comitês municipais e defende a adoção de abordagens semelhantes em todas as esferas de governo, tanto estadual quanto federal. Nesse sentido, o Comitê Interministerial de Mudança do Clima (CIM), criado em 2023, desempenha um papel fundamental. O CIM é um colegiado permanente com a finalidade de monitorar e promover a implementação das ações e políticas públicas do Poder Executivo Federal, relacionadas à Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), além de incorporar a agenda climática de forma transversal em todo o governo. 


Desafios climáticos colocam Mariana em alerta 

Assim como em diversos estados do Brasil, a cidade de Mariana registrou nas últimas semanas um aumento no número de focos de incêndio, o que gera uma insalubridade na qualidade do ar, agravada pelo tempo seco. Para se ter uma ideia dos impactos em Minas Gerais, no primeiro dia do mês de setembro o estado foi, de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas (Inpe), a região do sudeste com maior número de focos ativos de queimadas. Até o momento, foram detectados 3.670 focos ativos a mais que no mesmo período do ano passado. Sirly Neves de Abreu, 58, morador de Mariana há mais de 20 anos, nos contou a dificuldade de permanecer com sua horta familiar  "A gente percebe o impacto disso no nosso dia-a-dia, principalmente no ar que respiramos, porque fica ainda mais poluído, e nas nossas plantações. Elas ficam muito ressecadas, por mais que aguamos com mais frequência, as folhas ficam com os resquícios das queimadas e atrapalham o crescimento delas", afirma.


#paratodosverem: No canto direito, um termômetro com suporte verde indica 27 graus Celsius. À esquerda, uma avenida com carros circulando sob um céu que começa a escurecer no fim de tarde.
Termômetro digital em Mariana marca 27 graus, considerada uma alta temperatura, ao cair da tarde do dia 11 de setembro | Foto: Beatriz Costa

Somado a isso, segundo a Organização Meteorológica Mundial, entre 2023 e 2027, existem 66% de chance do Planeta Terra ultrapassar o seu limite de aquecimento anual, que é de 1,5°C. O que indica que Mariana deve enfrentar também esse crescimento nas temperaturas médias mensais nos próximos anos e, de acordo com dados dos modelos climáticos participantes do projeto Coordinated Regional Climate Downscaling Experiment (CORDEX). O Cordex é um projeto que tem por objetivo a regionalização das projeções globais dos modelos do Coupled Model Intercomparison Project Phase 5 (CMIP5).


#paratodosverem: Gráfico com 5 variações de cores: cinza, amarelo, laranja, vermelho sangue e vermelho escuro, contendo informações do aumento e diminuição de temperatura média na cidade de Mariana/MG. Barras do gráfico em vertical.
Temperatura média mensal na cidade de Mariana/MG ao longo dos anos e previsões de aumento | Fonte: Arquivo de mudanças climáticas no Brasil

Na primeira segunda-feira deste mês (2), a prefeitura local decretou Estado de Emergência em relação às queimadas. O decreto assinado pelo prefeito permite a mobilização de todos os órgãos municipais, o adiamento de eventos com grandes aglomerações e a contratação emergencial de serviços sem licitação. Além disso, autoriza as autoridades a entrarem em propriedades privadas em caso de risco iminente. Um dos principais desafios do Brasil é a redução da emissão de gases poluentes para alcançar a neutralidade climática até 2050 (ou seja, emitir zero gases que causam o efeito estufa) e proteger a população dos eventos climáticos extremos, que já estão acontecendo. 


Em consequência de todo esse contexto, a criação do CMC está associada a dois importantes planos municipais: o Plano Municipal de Conservação da Mata Atlântica e o Plano de Arborização Urbana. Devido à sua relevância e ao alto grau de ameaça, este bioma recebe proteção legal por meio da Lei Federal da Mata Atlântica (Lei nº 11.428/2006), regulamentada pelo Decreto nº 6.660/2008. Essa legislação estabelece diretrizes para a utilização e proteção da vegetação nativa e permite que os municípios participem na sua implementação por meio do Plano Municipal. 


A arborização urbana pode fornecer múltiplos serviços ecossistêmicos à população. São vários os benefícios como melhoria da qualidade do ar por meio da absorção e deposição de poluentes, proteção contra ruídos, incremento do armazenamento e sequestro de carbono da atmosfera, assim como o estabelecimento de um microclima agradável com a redução da temperatura do ambiente, proporcionando bem-estar às pessoas.


Mineração e Barragens: Riscos Crescentes para Mariana em Cenário de Mudanças Climáticas

Outro fator significativo regional que contribui para as mudanças climáticas, é a mineração. De acordo com um estudo de 2021 realizado pela consultoria McKinsey, empresa global que realiza consultoria de gestão, as atividades minerárias são responsáveis por aproximadamente 7% das emissões globais de gases de efeito estufa provenientes de atividades humanas. Esse percentual pode aumentar para 28% quando se consideram as emissões indiretas.


Mariana é uma cidade com grande atividade minerária, esta por sua vez também contribui para cenários ambientais modificados. Embora a mineração desempenhe um papel crucial na economia local e seja essencial para várias outras atividades econômicas, ela também exerce um impacto significativo sobre o meio ambiente e altera profundamente a paisagem natural e as condições de vida de toda a população local. 


Mesmo com a adoção das melhores práticas de gestão ambiental, o local de mineração nunca recupera suas características originais após o término das operações. A vegetação que uma vez cobria a área da lugar a uma grande depressão. Essas mudanças na paisagem têm efeitos abrangentes, incluindo alterações no microclima, na fauna e na flora nativas, bem como no ciclo d'água do local. Embora a tecnologia possa mitigar alguns desses impactos, ela não pode impedir completamente as transformações resultantes da remoção dos materiais.


Em conversa com Ana Flávia Quintão, bióloga formada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), doutora em Saúde Coletiva pela Fiocruz Minas com foco na vulnerabilidade humana às mudanças climáticas e membro do Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela e do Instituto Cordilheira, ela expressa a preocupação com a capacidade das barragens em Minas Gerais para suportar as chuvas previstas para o futuro. Ana Flávia afirmou: "Muito provavelmente as barragens não vão suportar o volume de chuvas que virão. Entramos na era dos eventos extremos, então esses comitês eles vão ter a responsabilidade de salvar a vida de milhões de pessoas"


#paratodosverem: Gráfico com escalas em colunas finas, composto por variações de 5 cores: cinza, azul turquesa, azul acinzentado, azul celeste e azul marinho, contendo informações do aumento e diminuição da precipitação média na cidade de Mariana/MG.
Precipitação mensal na cidade de Mariana/MG levanta estado de alerta por se tratar de poucos períodos de chuva | Fonte: Arquivo de mudanças climáticas no Brasil

A precipitação média mensal em Mariana deve aumentar nos meses de verão (novembro a fevereiro) ao longo das próximas décadas, com picos mais intensos em dezembro e janeiro. Durante os meses de seca, especialmente no inverno, a precipitação continuará baixa, com pouca variação significativa esperada.


A criação do Comitê de Mudanças Climáticas em Mariana é um passo importante para o desenvolvimento sustentável do município. Diante de desafios locais, como a forte presença da mineração e o aumento de focos de incêndio, o CMC terá um papel estratégico na coordenação de ações que visam reduzir as emissões de gases poluentes e preparar a cidade para os impactos climáticos. 


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