top of page
Lia Junqueira e Gabriela Cortez

Primavera dos Museus celebra 18ª edição

Iniciativa do Instituto Brasileiro de Museus realizada em todo o Brasil, o evento tem programação extensa em Ouro Preto e visa democratizar o acesso e debater temas importantes 


Assim como a estação do ano, a Primavera dos Museus busca florescer e implementar debates fundamentais em instituições por todo o país. O evento, promovido pelo Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), nasceu há 18 anos com o intuito de intensificar a relação entre as pessoas e os museus, além de ampliar o acesso e o sentimento de pertencimento ao patrimônio cultural e histórico brasileiro. 


O evento, realizado entre os dias 23 e 29 de setembro, teve como foco a acessibilidade e inclusão, temas centrais da Primavera deste ano. No decorrer da semana, foram disponibilizadas informações e promovidos debates com especialistas, abordando diferentes pontos de vista e questões que precisam ser repensadas tanto pelas instituições quanto pela sociedade.


A região Sudeste se destacou no evento com programação intensa, composta por 1060 ações. Desta, Minas Gerais é o estado que liderou o número de atividades, num total de 361. Já na Região dos Inconfidentes, Ouro Preto foi destaque com 21 eventos.


#ParaTodosVerem: A imagem retrata uma sala ampla de pisos de madeira. Ao centro, a figura de uma mulher baixa e branca, de costas, observando um caixote quadrado, preto, que se encontra à sua frente, com um objeto que não é possível descrever à distância. Ao fundo, uma mulher, também de costas para a câmera, observa uma exposição de imagens em uma parede preta de suporte. Perto dela, uma mulher de cabelos brancos está em movimento de mãos dadas com uma criança pequena, que também estende as mãos para um homem, todos de costas.
Os museus de Ouro Preto possuem grande fluxo de visitação durante o ano. | Foto: Lia Junqueira

Ouro Preto, considerada Patrimônio Mundial e tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), é um berço de arte e cultura não só para Minas Gerais, mas para todo o Brasil. A cidade foi a primeira a criar um Fórum de Museus e, mais tarde, o Sistema de Museus, reconhecido por lei em 2006. Esta implementação, considerada pioneira no campo da museologia, ajudou o território se tornar mais múltiplo e capacitado para receber turistas e a própria comunidade nos espaços museais, abrindo diálogos e mais possibilidades de crescimento. 


Dos 13 museus atualmente em funcionamento, sete participaram efetivamente da 18ª edição da Primavera. As instituições abriram suas portas para atividades, workshops, oficinas e rodas de conversa sobre acessibilidade e inclusão. Além disso, realizaram intervenções nas exposições que já existem, fazendo reflexões fundamentais e imprescindíveis para o momento. Outro programa importante foram as visitas mediadas por educadores, que contribuíram para experiências mais ricas e aprofundadas nos museus.   


#ParaTodosVerem: A foto, tirada de um ângulo de cima para baixo, mostra uma mesa branca, com duas cadeiras à frente, também brancas e vazias. Acima da mesa, uma série de molduras de cor bege estão ao lado de caixinhas de lápis de cor. Bem acima da mesa, um painel branco com algumas fotografias e um texto que, à distância, é ilegível.
O Museu Casa Guignard, que participa da Primavera dos Museus deste ano, enfrenta o desafio de trazer acessibilidades para o espaço. | Foto: Lia Junqueira

Além da criação de um espaço de troca e compartilhamento, as instituições, aderem ao movimento da Primavera de cada ano por motivos que vão desde a divulgação — oportunidade de publicidade e visibilidade para suas estruturas e acervos, o que abre portas para investimento e reconhecimento — até a criação de parcerias e fortalecimento com outras instituições da cidade, como escolas e demais museus. 


Gabriela Dilma Gomes, coordenadora da Rede Museus e Acervos da Universidade Federal de Ouro Preto, reforça esses como principais motivos do esforço da Rede em participar da Primavera: “eu não seria capaz agora de precisar desde quando os museus da UFOP atuam na Primavera de Museus. Mas o fato é que existe sim o esforço, hoje, da Rede de Museus estar presente, a partir e através dos seus museus e dos seus acervos”. A Rede, que conta com coleções de caráter museológico, documentalista e/ou memorialista, que incluem arquivos fotográficos, livros, obras raras, coleções de mineralogia e zoologia, acervos de plantas e equipamentos de ensino, entre outros, esse ano, especificamente, participa com os acervos do Museu da Farmácia e a Coleção de Zoologia dos Vertebrados da UFOP.


#ParaTodosVerem: A imagem mostra, de forma muito próxima, o que parece ser uma caixa branca, com detalhes dourados nas bordas e fotos coladas na tampa. As fotos mostram cenas do cotidiano, é possível ver em uma delas uma mão escrevendo, outra uma caixa de lápis de cores, etc.
A Rede de Museus da Universidade Federal de Ouro Preto é fundamental para garantir a continuidade dos acervos históricos e preservação de itens raros do início da instituição, em 1876. | Foto: Lia Junqueira

A existência da Primavera e seu desempenho nos últimos anos foram afetados pela pandemia de Covid 19. Um dos grandes desafios foi a retomada plena das atividades. “Na pandemia tudo fechou, ninguém saiu. Foi aquela coisa horrorosa que a gente não tinha vacina, com risco de vida. Então, cada instituição ficou muito para si e, desde quando voltamos à normalidade, as pessoas continuam muito distantes e desmobilizadas. Ainda está muito difícil a gente conseguir uma dinâmica em que todos participem”, relatou a Coordenadora do Sistema de Museus de Ouro Preto, Yara Mattos. 


O objetivo da Primavera dos Museus é justamente aproximar as pessoas aos espaços museais, popularizá-los e democratizar o acesso a eles. Porém, esse fluxo foi interrompido e o IBRAM precisou trilhar novas rotas para que o evento continuasse crescendo. Nesse sentido, o Diretor de Difusão, Fomento e Economia do Instituto, Joel Santana, comemora o lançamento da plataforma Visite Museus, pois "ela vai servir para cadastrar as atividades da semana e da Primavera e também poder utilizar o ano inteiro. É para conectar o cidadão sendo uma ferramenta de instituições e museus. E, além disso, compilando dados de todo o sistema”.  


#ParaTodosVerem: A foto mostra uma garota de cabelos cacheados e pretos virada de costas, mostrando levemente seu rosto de maneira lateral, onde é possível notar um óculos de cor alaranjada. À sua frente, a tela de um computador está acesa na página principal do site Visite Museus..
O lançamento da plataforma visite museus facilita o acesso dos visitantes às programações. | Foto: Gabriela Cortez

A intenção é justamente proporcionar facilidade e acessibilidade para todas as pessoas, não somente para os eventos que acontecem anualmente, mas também para o dia a dia das instituições, isso de acordo com o diretor de difusão, fomento e economia do IBRAM. Com todas as programações disponíveis no portal nacional, os visitantes conseguem ter acesso aos eventos, podendo criar seus roteiros, consultar os preços das exposições e comprar ingressos das atividades que não sejam gratuitas. 


Segundo Joel, a estreia da plataforma ocorreu em um momento crucial para o Instituto e para a Primavera, pois em breve acontecerá a oitava edição do Fórum Nacional de Museus, de 25 a 29 de novembro. A ação, que acontece de dois em dois anos, serve para reavaliar e refletir sobre as diretrizes da Política Nacional de Museus, ou seja, são dois momentos seguidos (Primavera e Fórum) para colocar novas ideias na mesa. 


Ele afirma que, com maior presença popular e a implementação do novo site, será possível democratizar ainda mais o acesso de todas as pessoas, além de ampliar a comunicação do evento, que vem sendo debatida como ponto importante, já que chegar até o público ainda é uma questão sensível para a iniciativa. 


Um desafio comentado por Joel é a adesão das pessoas com participação ativa nos processos museais brasileiros. Pensando nisso, neste ano o IBRAM abriu uma consulta aos 30 museus que administra, para escolher o tema da 18ª Primavera dos Museus. “A importância desse movimento é realizar uma construção coletiva do que queremos ver e debater dentro dos Museus brasileiros, pensando nas múltiplas vozes que compõem a sociedade”, afirmou.


A acessibilidade e inclusão em museus não é um tema novo e se estende além da Primavera. Tanto que a temática vem sendo requisitada há tempos, mas nunca discutida em âmbitos institucionais, como proposto nesse ano. Ao desafiar esses espaços a crescerem e se adaptarem para inclusão de mais e diversos públicos, a expectativa é que os museus possam mostrar para sociedade que o acervo, o patrimônio e a história é dos cidadãos e para os cidadãos. 


Thalles Lopes, ator, diretor de audiovisual e deficiente visual, foi convidado da Primavera dos Museus na palestra “Museu: lugar da diversidade”, oportunidade em que reforçou o impacto do evento em reverberar sobre estruturas que, apesar de históricas, podem e devem ser modernas. “A primavera dos museus é esse momento para repensar um pouco, né? Rever mesmo o que que precisa mudar, o que que precisa ser feito. Pessoas com deficiência não conseguem alcançar lugares porque elas são podadas disso. Acho que é esse o momento de colocá-las nesse lugar de gerência, e eu acho que a Primavera dos Museus vem abrindo espaço em diversos temas voltados para isso”, afirmou Thalles.


Ele conta ainda que, por muito tempo, ficou de fora de programações e espaços museais por não ter estímulo e condições desses locais para recebê-lo: “Você vai no museu e fica de fora? Porque para quem é uma pessoa com deficiência visual, você fica. Mas eu fico feliz que estamos caminhando, estamos neste momento discutindo várias questões, várias possibilidades abertamente. Isso aqui é um fato histórico também. A gente tá aqui, a gente tá construindo também narrativas históricas”.


#ParaTodosVerem: A foto mostra uma garota branca, de cabelos pretos presos em um rabo de cavalo, blazer branco e microfone na mão, com o rosto em movimento de fala, ela está sentada em uma cadeira de rodas. Ao seu lado esquerdo, um garoto branco, de cabelos loiros cacheados e óculos escuros, está sentado com a cabeça virada em direção à garota. Ele usa camisa azul marinho e um crachá verde com girassóis amarelos estampados.
A presença e fala de pessoas com deficiência nos Museus é imprescindível para repensar projetos e estratégias desses locais. | Foto: Lia Junqueira

Cíntia Soares, jornalista que participou da palestra ao lado de Thales, complementa a fala dele contando sua trajetória pessoal relacionada ao ambiente museal: “sempre ouvi de pessoas próximas, que espaços culturais eu não ia ter como vivenciar e ter essa experiência. E quem fosse do meu vínculo iria ter que se acostumar com minha ausência e não poderia me convidar para estar nesses espaços. Mas, quando eu fui pela primeira vez [em um museu] eu falei: ‘nossa, caramba, eu gosto desses espaços, eles me pertencem também’”.


O único museu da cidade de Ouro Preto que integra a rede do IBRAM, o Museu da Inconfidência, reforça o papel da acessibilidade em diferentes níveis; Para além da acessibilidade física, destaca também a acessibilidade financeira e de representatividade de outros interlocutores e agentes. Alex Calheiros, diretor do Museu da Inconfidência, afirma ter o compromisso em tornar este espaço mais acessível — em todos os sentidos — para quem o visita.


“Entendemos a acessibilidade num sentido muito amplo, já que o museu também está passando por um momento de reposicionamento e, para a gente, acessibilidade é um direito de todos: acessar o patrimônio cultural brasileiro. Desde que eu entrei [em abril de 2023], uma preocupação grande e constante é sobre a gratuidade. Quem está acessando o Museu hoje?”, reflete o diretor do Museu, que recebeu quase 300 mil visitantes no último ano.


Para isso, Alex afirma que, recentemente, foi contratada uma arquiteta para montar um planejamento para o edifício tombado. Também está sendo reelaborado o setor educativo que atua no museu, pois está  em processo o reposicionamento diante da exposição permanente e o próprio ambiente. Ele afirma que: “O Museu da Inconfidência completou 80 anos, de um modo geral, exibindo apenas uma narrativa. Muitas vezes as pessoas têm estranhado as intervenções, discordando da ética para a gente. Isso é absolutamente natural e interessante inclusive, porque a gente está numa instituição muito tradicional e que a narrativa que ela apresenta foi naturalizada”. 


A educação tem papel chave na mudança e tomada de novas perspectivas nas organizações museais, pois inúmeras escolas visitam estes ambientes com intuito de aprender a partir dos exemplos, da história, seja ela do país, da cidade ou de uma pessoa específica. Sobre isso, Gilson Nunes, professor do departamento de Museologia da UFOP, reafirma o compromisso educativo necessário: “os museus são, por conceito, uma instituição também voltada à educação, mas à educação informal, aquela educação que não é do banco de escola, que tem currículo, que tem avaliação. Uma educação, portanto, mais livre, mais aberta. Então, é obrigação dos museus instituírem os seus programas educativos voltados para a população em geral e também para o público escolar”.


Ouro Preto tem se destacado no esforço para prosseguir na busca pela democratização e  acesso aos museus. Junto com informações consistentes e boa adesão do público, para além da semana que celebra a Primavera dos Museus, a cidade — e seus entes museais — precisam desenvolver um planejamento permanente voltado para as pessoas que ainda estão fora desses espaços de memória social. Só assim, as próximas Primaveras virão mais fortes. 


30 visualizações0 comentário

Commentaires


44º EDIÇÃO.png
bottom of page