Falta de acessibilidade e bullying são alguns dos desafios que eles enfrentam diariamente

No mês de fevereiro, a pesquisa “Radar da Inclusão: mapeando a empregabilidade de Pessoas com Deficiência” realizada pelo Pacto Global, uma iniciativa que visa alinhar as operações das empresas de todo o mundo aos dez princípios universais de Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas (ONU), foi divulgada e apontou que oito em cada dez trabalhadores com deficiência ou neuro divergentes avaliam que as empresas não estão preparadas para admiti-los. Essa realidade exposta na pesquisa reflete a situação do Brasil, já que, somente 26,6% das pessoas com deficiência estão empregadas, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada em 2023. Em Mariana, os moradores com deficiência, que desejam se inserir no mercado de trabalho, ainda enfrentam muitos obstáculos.
A Lei Federal 8.213 de 1991 assegura que empresas com mais de cem empregados em seu quadro de funcionários, são obrigadas a preencher de 2% a 5% de seus cargos com beneficiários reabilitados ou com pessoas com deficiência (PCDs). Sônia Passos, assistente social da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), explica que “aqui [em Mariana], só em supermercado que eu posso inserir eles, em outra empresa privada eu não consigo inserir eles. A última empresa que veio aqui [na APAE], eles queriam contratar três funcionários PCD para prestar serviço aqui dentro. Isso é inclusão? Não”.

A falta de inclusão, que começa com vagas pouco diversificadas para PCDs, é perpetuada pela carência de acessibilidade e o preconceito vivido no local de trabalho. A assistente social da APAE relata casos de bullying durante o expediente e situações vexatórias no local de trabalho vivenciada por seus alunos. Essas situações se tornam rotineiras para pessoas PCDs. Conforme a pesquisa “Inclusão Sustentável” realizada pelo site VAGAS.COM e o Instituto Talento Incluir, que entrevistou mais de 4 mil pessoas PCDs, 57% dos entrevistados relataram que foram vítimas de bullying e 9% afirmaram que já passaram por situações de isolamento e rejeição dos colegas no ambiente de trabalho.
A falta de inclusão é um fator de desigualdade, que reflete no aumento de PCDs que trabalham informalmente. Conforme o PNAD Contínua, 55% das pessoas com deficiência estão em situação de informalidade, contra 38,7% de pessoas sem deficiência.
Vivências no mercado de trabalho de Mariana
Fernanda Teles, vice-diretora da Associação das Pessoas com Deficiência de Mariana (ADEM) e presidente do CMAS (Conselho Municipal de Assistência Social), expôs que a sua principal dificuldade no mercado de trabalho foi o tratamento dos colegas, “o ruim de trabalhar com a deficiência são os outros. Os outros não têm paciência, os outros querem no tempo deles, o mundo hoje quer. O mundo quer agilidade e facilidade. Não é a minha deficiência visual que me limita, são os outros que me limitam”.
A deficiência visual da Fernanda começou após uma grave queimação da retina durante a sua gravidez. Bem-humorada, ela afirma que é preciso ter um psicológico forte para aguentar os comentários da sociedade sobre sua deficiência, “o problema da deficiência, você pode ter certeza, é sempre o outro. O outro quer que a sua cadeira de roda seja mais rápida, o outro quer aquela agilidade, que você saia da frente, entendeu?”, afirmou a vice-diretora.
A assistente social da APAE, Sônia Passos, expôs que esse cenário tende, em sua visão, a ser mais complexo para pessoas neuro divergentes, “essas empresas privadas, de grande porte, não querem nem saber. Eles querem contratar uma pessoa com deficiência física, que seja capacitado, que tenha o seu curso superior ou ensino médio completo. A discriminação vem até nessas empresas, quer dizer, porque o horário [deles] é reduzido, o salário também é reduzido. Então, eles são discriminados”, explica a assistente social.
Falta de políticas públicas municipais paralisam avanços na inclusão de PCDs no mercado de trabalho
O Sistema Nacional de Emprego (SINE) tem sua sede em Mariana no Centro de Convenções (Avenida Getúlio Vargas, 110), e é popularmente conhecido como Emprega+Mariana. Gustavo Ribeiro, coordenador de políticas públicas de emprego e renda, afirma que o SINE Mariana realiza capacitações, treinamentos e campanhas de conscientização nas empresas, “para buscar criar oportunidades e promover um ambiente mais acessível”. Além disso, o coordenador afirma que não há dificuldades para a inserção de pessoas PCDs no mercado de trabalho, devido às leis que regulamentam as contratações.
Sônia aponta que há uma falta de políticas públicas municipais que agravam esse cenário de desigualdade entre PCDs e pessoas sem deficiência. Apesar da lei federal ser válida na cidade, a falta de uma legislação própria, faz com que muitas empresas privadas registradas localmente, de pequeno e médio porte, não precisem fazer uma contratação inclusiva. Conforme o levantamento realizado pela MaisMei, uma empresa que auxilia na abertura de registros de Microempreendedores Individuais (MEIs), Mariana tem 5.301 empresas registradas, sendo 2.998 de registro de MEIs.
O setor público municipal, apesar da obrigatoriedade de contratar PCDs, acaba por não dar oportunidades para o crescimento profissional para esse público. “Eu consegui trabalhar na prefeitura por muito tempo, porque a prefeitura funciona assim: se eu fizer o seletivo lá e passar, eles são obrigados a me encaixar [em uma vaga]”, afirma Fernanda, que trabalhou na prefeitura por muitos anos. “Eu trabalhei na área da saúde, trabalhei como recepcionista no PSF, como gerente na clínica e nas creches”, completa a vice-diretora da ADEM. A Câmara Municipal de Mariana estabeleceu em 2019, orientações específicas sobre a jornada de trabalho do funcionário público com deficiência, que determinam “a criação e concessão de jornada especial de trabalho ao servidor público municipal com deficiência ou cônjuge, filho ou dependente com deficiência.”
Outro projeto de inclusão social da prefeitura é o Inclusão Produtiva, que se divide em três subprogramas que visam incluir e capacitar mulheres, PCDs e pessoas acima de 55 anos no mercado de trabalho. Letícia Maia, coordenadora do programa, explica que “ a gente fornece cursos e fornece as capacitações básicas. O intuito é que elas saiam do programa e vão para o mercado de trabalho”. Apesar da iniciativa, a coordenadora admite que a capacitação e inclusão de algumas pessoas com deficiências específicas ainda não é feita.
A vice-diretora da ADEM, entretanto, considera que o programa, apesar das melhorias, ainda precisa evoluir, para não registrar PCDs somente a certas funções, como ocorre atualmente: “A maioria das pessoas que estão lá, estão todas em pano de chão e são pessoas que hoje são vulneráveis. Mas ela tem uma formação, ela é vulnerável mas ela tem. Por mais que não tenha uma formação [superior], ela tem um ensino médio. ‘Ah, ela não tem ensino médio, mas ela sabe falar bem, se expressar bem’, mas eles estão te colocando no setor de limpeza, entendeu? Apesar de que já tão mudando [esse cenário] aos poucos.”
Como mudar esse cenário e tornar a inclusão uma realidade?
Sônia e Fernanda concordam que é preciso uma educação desde a infância, para que o preconceito não seja um impedimento para as contratações no futuro. Na visão de Fernanda, ensinar sobre políticas públicas na sala de aula é a visão da chave do futuro, “tem as leis que fazem as vagas, o que não funciona muitas vezes é o ser humano em si. A adaptação do ser humano que não tem deficiência, nesse sentido de ignorância, para aprendizagem [sobre inclusão] mesmo, de saber lidar com o outro. A base de tudo é educar as pessoas. Política pública devia ser igual a português, inglês, matemática, devia ser lá na sala de aula”, afirma a vice-diretora da ADEM.
Fernanda também acredita que, com a criação de novas leis pelo setor público, as empresas privadas irão realizar outras ações além de somente a separação de vagas obrigatórias. “O setor público, ele é o maior, ele é o que puxa. Ele puxa aquela aquela vaga, ele obriga um setor privado a fornecer, mas ele não obriga as formas como [o funcionário] tem que ser tratado. Isso está sendo trabalhado aos poucos”, explica Fernanda.
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